Painel AgroIndústria

01
Mucuri e território de identidade Extremo Sul

Este estudo sobre o município de Mucuri e seu entorno é parte dos esforços para caracterizar os processos socioeconômicos relacionados à existência de uma menor pobreza e vulnerabilidade social relativa em seu território, em comparação com o restante do estado da Bahia, a partir do Projeto 7 Municípios (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2014). Nesse sentido, a partir de dados e estudos disponíveis sobre esse município e seu entorno, com particular ênfase a Teixeira de Freitas, cidade de grande porte mais próxima de Mucuri, são apresentadas aqui algumas reflexões que podem esclarecer as características da dinâmica específica da pobreza em Mucuri, subsidiando, através de informações e reflexões, políticas públicas para o desenvolvimento local e regional mais sustentável e menos desigual.

Para início de análise, é importante destacar que Mucuri se diferencia na região do Extremo Sul baiano – compondo o conjunto dos sete municípios do estado com condições especiais de pobreza – por apresentar um desempenho positivo significativo na dimensão renda, dentre o conjunto dos fatores que compõem a análise que identificou esses casos. A dimensão da renda apresentou um peso expressivo para classificar esse município em uma situação especial, mas não somente essa dimensão garantiu tal condição. Os desempenhos dos demais fatores, como saúde, moradia, educação e demografia, também foram essenciais para que Mucuri exibisse uma presença de pobreza relativa menos acentuada em relação aos demais municípios do estado. Somado a isso, Mucuri se destaca, em comparação com os seus vizinhos imediatos na Bahia, por ser o único pertencente ao grupo com menor incidência de pobreza relativa do estado. Todos os demais municípios circunvizinhos estão fora desse conjunto. Tendo em vista esses aspectos, busca-se caracterizar o processo socioeconômico de Mucuri, identificando seus principais elementos e a sua articulação com os demais municípios com os quais ele se relaciona.

Mucuri é um município baiano do território de identidade Extremo Sul, fronteiriço aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Conforme a Lei 13.214 (BAHIA, 2014), o território de identidade se configura como

[…] a unidade de planejamento de políticas públicas do Estado da Bahia, constituído por agrupamentos identitários municipais […] formados de acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, reconhecidos pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertencem.

A área de Mucuri abrange 1.781 km2 (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2012, p. 165), e o município apresentou, no ano de 2018, população estimada em 41.221 habitantes, conforme a projeção do IBGE (2018). Atualmente, esse município é reconhecido pela sua principal atividade econômica: a agroindústria de papel e celulose. Não apenas Mucuri, mas grande parte da região Extremo Sul tem como característica a presença significativa do cultivo do eucalipto, atribuindo uma vantagem comparativa para a indústria de papel e celulose.

Por sua vez, essa microrregião, que também se configura como território de identidade Extremo Sul, ocupa “[…] uma área de quase 18.536 km² (CENSO DEMOGRÁFICO 2010, 2012), o que corresponde a aproximadamente 3,9% do território estadual. O território de identidade é composto administrativamente pelos municípios de Alcobaça, Caravelas, Ibirapuã, Itamaraju, Itanhém, Jucuruçu, Lajedão, Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viçosa, Prado, Teixeira de Freitas e Vereda” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2015, p. 207). A seguir, na tabela abaixo, são apresentados dados sobre a população dos municípios que compõem o Extremo Sul do estado para alguns anos selecionados.

É expressiva a taxa de crescimento populacional no TI Extremo Sul na década de 1990 e nos anos 2000 como um todo. Em 2010, essa população ultrapassou 400 mil pessoas, apresentando uma taxa de crescimento de 12% entre os anos 2000 e 2010, valor maior que a taxa de crescimento da população da Bahia. Mucuri, Nova Viçosa e Teixeira de Freitas, em particular, tiveram percentuais de crescimento bastante acima dos índices do estado da Bahia, entre 1991 e 2000, 2000 e 2010 e 2010 e 2016. Na década de 1990, o crescimento populacional esteve relacionado com o período de construção e início das operações da Bahia Sul Celulose (atual Unidade Mucuri da Suzano Papel e Celulose), o que explica a variação expressiva de 59,4% na população de Mucuri entre 1991 e 2000. O período entre 2016 e 2018, por sua vez, foi de retração populacional no TI e no estado da Bahia como um todo, sendo que, nesses três municípios, a diminuição ocorreu a uma taxa menor que a do estado e a do próprio TI agregado. Pelos textos seguintes, pretende-se caracterizar alguns elementos socioeconômicos que se relacionam com essa dinâmica populacional.

02
Os ciclos econômicos no Extremo Sul da Bahia

Tendo atravessado profundas mudanças socioeconômicas nas últimas décadas, com um crescimento populacional significativo no período 1990-2016 (tabela acima)¹, o Extremo Sul da Bahia “assumiu várias estruturas espaciais”, sendo “sempre uma região agroexportadora”, através dos diferentes ciclos econômicos, e com sua urbanização e consolidação regional formadas, “[…] principalmente, por influência das atividades econômicas originadas do Sudeste brasileiro” (CERQUEIRA NETO, 2012, p. 256). Nota-se como a região, até o século XIX, “[…] era fonte de produção de café, farinha, cacau, cana-de-açúcar, pecuária, algodão, aguardente, extração de madeira, etc., para suprir mercados externos, inclusive o de Salvador” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 1995, p. 17). Também nesse sentido, anteriormente à fase de expansão da agroindústria de papel e celulose, em especial entre os anos de 1970 e a década de 1990, Mucuri e região tinham como principais atividades econômicas a pecuária e o extrativismo da madeira.

Como apontado no estudo Dinâmica Sociodemográfica da Bahia – 1980-2000 (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2003, p. 235):

A região permaneceu escassamente povoada e com precária integração ao conjunto do estado até a metade do século XX, quando esse isolamento parcial foi rompido. A partir dos anos 1950, com a maior expansão do cultivo do cacau, da pecuária e da exploração da madeira, desencadeou-se um processo de interiorização da ocupação que dinamizou, gradativamente, a vida econômica e estimulou o povoamento de áreas até então pouco habitadas ou sem aproveitamento econômico.

Um aspecto importante a ser destacado está na relação entre os diferentes ciclos econômicos no Extremo Sul da Bahia, consideravelmente atravessada pelo desenvolvimento da sua infraestrutura de transportes. Entre a construção da estrada de ferro Bahia-Minas, no início do século XX, e a construção e desenvolvimento da BR-101, nessa microrregião baiana, a extração de madeira, a pecuária e, posteriormente, o complexo de papel e celulose e o turismo foram se sucedendo como as atividades econômicas principais, em conexão com a dinâmica da infraestrutura de transportes.

Essa dinâmica fomentou, ao sul da Bahia, a formação de cidades importantes “[…] fora da faixa litorânea, como os povoados de Eunápolis e Teixeira de Freitas” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2003, p. 236), em bases que estão diretamente ligadas às desigualdades que se perpetuam através da colonização desse território, como a concentração fundiária, a desestruturação de modos de vida e a degradação ambiental (OLIVEIRA, 2014, p. 22-23, 160-162; FERREIRA, 2002, p. 159-161; ACSELRAD, 2007, p. 5-6). Nos outros textos desse painel, traremos alguns elementos que relacionam a formação do complexo de papel e celulose na região com a evolução das características socioeconômicas e de renda no território de identidade Extremo Sul, bem como com a sua infraestrutura de transportes e formação da rede urbana.

Dessa maneira, desde meados dos anos 1940 e especialmente a partir da década de 1970, também é possível identificar um conjunto de incentivos fiscais oferecidos pelo governo federal com o objetivo de desenvolver a silvicultura e o complexo de papel e celulose em todo o país, particularmente no contexto dos investimentos do plano de metas e do II Plano Nacional de Desenvolvimento² – um fluxo de incentivos em nível nacional que teria efeitos significativos no Extremo Sul da Bahia. É nesse momento que, tendo em vista as excelentes condições edafoclimáticas e o crucial financiamento e a participação acionária do Sistema BNDES (JORGE, 1992, p. 136), o plantio de eucalipto ganhou maior notoriedade na microrregião, que hoje é uma das mais produtivas do mundo. O principal destino da sua produção é a indústria de papel, capitaneada na Bahia por duas grandes multinacionais de referência global.

Notas:
¹Taxa de crescimento populacional superior à de períodos anteriores (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2003, p. 238-239). Entre 1980-1991 e 1991-2000, por exemplo, as taxas foram de 1,42% e 2,48%, respectivamente.
² O “desenvolvimento da indústria de papel e celulose no Brasil” foi marcado, nesse período, pela presença significativa do Estado, com financiamentos e renúncias fiscais (entre outros aspectos), sendo um elemento-chave para compreender os processos de integração vertical e consolidação de líderes de grande porte no setor. O Plano Nacional de Papel e Celulose (PNPC), por exemplo, elaborado no contexto do II PND, visava “[…] tornar o Brasil autossuficiente na produção de papel e, além de garantir o suprimento do mercado interno de celulose, gerar excedentes em escala para exportação […]”, com uma disposição que pareceu indicar inclusive o uso de “vários artifícios escusos” (ROCHA, 2002, p. 5-6). Ver também Monteiro (1981, p. 35), e Jorge (1992, p. 27, 34, 36-37, 40), a respeito.
03
A importância do complexo industrial de papel e celulose

Uma dessas indústrias está localizada justamente no município de análise desse estudo: Mucuri. Trata-se da Suzano Papel e Celulose, uma das maiores empresas do mundo no setor. Foi criada no ano de 1987, com o nome de Bahia Sul Celulose S.A., e tinha como sócias a Cia. Suzano de Papel e Celulose e a Cia. Vale do Rio Doce. Segundo Jorge (1992, p. 135), as “[…] atividades florestais na área de Mucuri (Ba) começaram em meados da década de setenta, quando a CVRD plantou, até 1978, cerca de 35 mil ha de eucaliptos”. Em 1992 se iniciou a produção de celulose, e, em 1993, a produção de papel. Ressalta-se que o processo de formação da Bahia Sul Celulose S.A. se encaixava “[…] no protótipo de ‘projeto ideal’ para o setor, na década de noventa”, quando “a política de incentivos fiscais estabeleceu condições privilegiadas para a integração vertical das empresas e para a montagem da base florestal dos futuros empreendimentos”. Havia também presença estatal no desenvolvimento tecnológico nacional, em particular dos órgãos de pesquisa mantidos ou associados ao governo, que, no setor de papel e celulose, esteve centrado no “aprimoramento do processo produtivo” (JORGE, 1992, p. 64, 68-69).

Em 2004, a Cia. Suzano Papel e Celulose realizou a compra de todas as ações ordinárias, assumindo completamente a propriedade da empresa, passando a se chamar Suzano Papel e Celulose S.A. Atualmente, diversos municípios do Extremo Sul fazem parte do seu complexo de negócios, ofertando à empresa o eucalipto necessário para a sua produção industrial (Alcobaça, Caravelas, Ibirapuã, Lajedão, Mucuri, Nova Viçosa e Teixeira de Freitas).

Considera-se, nesse sentido, que a presença e o desenvolvimento da economia de base florestal³ no Extremo Sul da Bahia são elementos centrais para se compreender, entre outras variáveis, a situação de pobreza e vulnerabilidade social relativamente menores em Mucuri. Pensar tal situação de maneira articulada à hegemonia dessa economia requer, por sua vez, localizá-la na estrutura econômica do território baiano, “[…] globalizada, concentrada espacialmente, setorialmente e socialmente […]”, além de apresentar “[…] uma grande desigualdade social e regional […]” e estar às margens das dinâmicas de investimentos, usualmente concentradas na Região Sudeste. O território de identidade Extremo Sul da Bahia forma parte de um dos “[…] pilares de sustentação do padrão periférico e complementar […]” baiano, caracterizado “[…] pela integração ao agronegócio brasileiro e mundial” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2014, p. 167-168).

Nos vários textos que compõem esta análise, portanto, pretende-se compartilhar informações sobre a formação da agroindústria de base florestal monocultora em Mucuri e entorno, buscando relacionar a situação de menor pobreza relativa desse município às dinâmicas socioeconômicas da agroindústria e suas interações com a rede urbana ao seu redor. Nesse sentido, destaca-se especialmente a cidade de Teixeira de Freitas, de maior expressividade populacional na região e atrelada a um outro pilar do padrão periférico e complementar, ligado à constituição de centros urbanos a partir da “formação de uma rede de transporte rodoviário”, no caso a BR-101 (ibid., p. 168-169), e “ao dinamismo do setor de comércio e serviços” (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2015, p. 212). Consideram-se, dessa maneira, quais seriam os elementos que sustentam ou colocam em risco esses menores índices de pobreza relativa no município, em particular aqueles ligados aos ciclos econômicos, às desigualdades e à pobreza na microrregião.

Notas:
³ Entre estes segmentos, destaque para celulose, celulose solúvel e papel, além de serrados, madeira tratada, móveis, carvão vegetal, biomassa e resíduos florestais, que alimentam, principalmente, o agronegócio e a indústria de bioenergia.
04
Características da agroindústria de papel e celulose no Extremo Sul, perspectivas de expansão e repercussões sociais

Como anteriormente mencionado, o estabelecimento das atividades do complexo de papel e celulose esteve inserido em um contexto histórico de políticas estatais voltadas ao desenvolvimento do setor de celulose na região, com vistas à autossuficiência nacional e à exportação. Nesse sentido, para compreender as condições de seu estabelecimento e desenvolvimento no Extremo Sul baiano, é fundamental considerar as características desse complexo, como a sua intensidade em capitais e energia, o uso extensivo do território – com fortes impactos ambientais e paisagísticos –, a baixa intensidade de geração relativa de emprego, sua tendência à verticalização produtiva e sua demanda por infraestrutura de transporte para escoamento da produção, como rodovias e portos (ROCHA, 2002, p. 13).

As fábricas relacionadas ao complexo de papel e celulose são parte das atividades que estruturaram espacial e historicamente a região do Extremo Sul da Bahia desde o final do século XX. O complexo de papel e celulose é composto pelas atividades florestais dedicadas ao plantio e extração de madeira (eucalipto ou pinus) e pelas atividades de processamento dessa madeira para diferentes finalidades, entre elas toras para produção de papel e celulose e a geração de energia (carvão vegetal, licor negro). Além da produção direcionada para papel e celulose, essa economia florestal também envolve outros destinos para a madeira, como na produção de móveis e painéis. A seguir, a figura abaixo apresenta um diagrama da cadeia produtiva relacionada aos produtos florestais, retirada do Panorama Setorial: Setor Florestal, Celulose e Papel.

A produção florestal do Extremo Sul está concentrada nos produtos de papel e celulose. A Suzano Papel e Celulose, principal empresa do setor na microrregião, tem em seu portfólio de produtos “[…] papel ‘imprimir e escrever’ revestido e não revestido, papel cartão, papel tissue, celulose de mercado e celulose fluff”, sendo que a Unidade Mucuri produz celulose de mercado e papéis tissue e de imprimir e escrever (SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A., 2018, 2019).

Em nível internacional, o setor de papel e celulose tem passado por processos de reestruturação competitiva, no período recente, conforme aponta Oliveira (2014, p. 40).

A análise da atuação das principais empresas transnacionais do setor de papel e celulose demonstra o processo de reestruturação efetuado a partir dos anos 2000, no sentido de reduzir o número de funcionários sem afetar o volume de vendas, realizado a partir de fusões de grandes empresas de âmbito global e da incorporação de novas tecnologias capazes de aumentar a produtividade e a economia de escala.

A introdução desse complexo agroindustrial trouxe transformações econômicas expressivas para o município de Mucuri e vizinhos produtores de eucalipto. A produção ganhou expressividade, e o estado chegou a alcançar a marca de segundo maior produtor de papel e celulose do país, voltado para atender o mercado externo (ALMEIDA et al., 2008; SOUZA; OLIVEIRA, 2002). Somada a isso, a expansão dessas atividades florestais e agroindustriais proporcionou uma inserção altamente competitiva da região do Extremo Sul no círculo dinâmico do mercado mundial do setor, trazendo crescimento econômico para Mucuri e região.

Na tabela a seguir, apresentam-se dados sobre valor adicionado e PIB no Extremo Sul da Bahia. Note-se a expressiva participação de Mucuri no valor adicionado na indústria do território de identidade, com R$ 1.195 milhões, representando pouco mais de 70% do total do território, bem como entre as atividades econômicas do município – com a indústria representando aproximadamente 60% do PIB de Mucuri, calculado em R$ 1.992 milhões em 2016. Por sua vez, também é marcante a presença dos serviços no valor adicionado de Teixeira de Freitas, com R$ 1.232 milhões, o que representa pouco mais de 45% do valor adicionado de serviços do território de identidade e aproximadamente 55% do PIB do município.

05
A produção agroindustrial e as atividades agrícolas de menor porte

Entretanto, a chegada dessa atividade se refletiu não apenas em convergências, mas também em conflitos em relação a outras atividades econômicas também presentes na região, como o turismo (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 1995) e a prática da agricultura familiar.

Alguns estudos mostram que os pequenos agricultores e trabalhadores rurais em geral perderam suas condições de produção em relação à chegada do eucalipto na região. Duas situações são colocadas neste contexto: a primeira está ligada à venda de grandes fazendas para as multinacionais do eucalipto, o que colabora com o desemprego do vaqueiro, do capataz, do gerente da fazenda e de todas as pessoas que vivem dentro de uma estrutura rural. Uma outra situação é a que mostra a fragilidade e por fim a “rendição” de médios e pequenos agricultores, que cercados pelas florestas de eucalipto e, não raros com dívidas expressivas, não conseguem resistir ao assédio econômico dessas empresas, então, passam a produzir “matéria-prima para a grande empresa, fazenda, plantation, fábrica, agroindústria. Pode inclusive estar obtendo assistência técnica, créditos e preços mínimos garantidos pela grande empresa. (IANNI, 2002 apud CERQUEIRA NETO; SILVA, 2008, p. 100).

Tudo isso mostra a característica extensiva do processo de ocupação de terras necessário para a produção da matéria-prima da indústria de papel e celulose. Os plantios de eucalipto voltados para essa produção demandam grandes áreas de terra, resultando em extensas propriedades. Parcela desse processo se expressa na menor participação da agricultura familiar na área total dos estabelecimentos rurais em grande parte dos municípios do Extremo Sul, além da tendência de aumento da monocultura na região. Nesse contexto, destaca-se o caso de Mucuri, que apresentou menor participação, segundo o Censo Agropecuário de 2006 (2009).

06
Localização da fábrica em Mucuri e o maciço florestal no território de identidade

Um ponto importante que contribui para compreender a lógica do funcionamento desse tipo de indústria e, consequentemente, suas repercussões socioeconômicas em Mucuri está na própria natureza da atividade agroindustrial de papel e celulose abrigada no município. A fábrica de Mucuri, altamente modernizada, abriga, em maior parte, um conjunto de empregados altamente qualificados para trabalhar em suas instalações. O perfil industrial intensivo em tecnologia, além de fazer com que a demanda sobre o trabalho não seja tão expressiva, implica a seleção de mão de obra especializada, grande parte de origem externa ao município. Com a fusão entre a Suzano Papel e Celulose S.A. e a Fibria Celulose S.A., anunciada em diferentes momentos entre 2018 e 2019 (SUZANO; FIBRIA, 2019), é possível imaginar que esse perfil de tecnologia intensiva e emprego não intensivo seja mantido ou aprofundado.

Nesse sentido, a atividade agroindustrial de papel e celulose é pouco atrativa em termos de fluxos migratórios de trabalhadores, visto que a sua estrutura enxuta não permite a realização de contratações de grandes números de pessoas, principalmente aquelas com menor remuneração e baixa qualificação. Com isso, em Mucuri permanecem aqueles funcionários qualificados e bem remunerados da indústria e uma porção de residentes tradicionais, desenvolvendo atividades econômicas mais tímidas, como comércio, serviços, turismo e pesca. As atividades de comércio e serviços desenvolvidos ali representam parte das demandas dessas pessoas, sendo que “[…] alguns estudos mostram que os pequenos agricultores e trabalhadores rurais em geral perderam suas condições de produção em relação à chegada do eucalipto na região” (CERQUEIRA NETO; SILVA, 2008, p. 100). Segundo os dados da Suzano Papel e Celulose S. A. (BARRETO, 2018), 2.788 pessoas estiveram ocupadas diretamente na atividade (maciço florestal e fábrica), apresentando também 3.186 empregos diretos terceirizados. Esses empregos estão distribuídos nos municípios de Alcobaça, Caravelas, ibirapuã, Lajedão, Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viçosa e Teixeira de Freitas, além de outros municípios do norte do Espírito Santo.

Ainda segundo a empresa, estima-se a existência de 15 mil empregos indiretos criados a partir das suas atividades. É importante enfatizar a expressividade dos empregos terceirizados nesse segmento de atividade, em que, sob “[…] pretexto de reduzir custos, um amplo processo de terceirização toma conta de inúmeras atividades, tais como: extração de madeira, vigilância, operação ‘mata formigas’, viveiros de mudas, alimentação, transporte, etc.” (TOLEDO, 1994 apud ROCHA, 2002, p.9).

Todos esses elementos compõem um conjunto de informações que podem colaborar para compreender quais processos podem estar relacionados com a menor presença de pobreza relativa em Mucuri. Acredita-se que a natureza da principal atividade econômica do município, juntamente com a configuração da rede de cidades do Extremo Sul (quesito que está mais bem explorado no Painel Rede de Cidades), é um elemento importante para compreender esse processo. Por ser uma atividade econômica altamente tecnificada, ainda que seja do ramo industrial, dispensa grandes contingentes de trabalhadores, contribuindo para uma menor atração de pessoas pobres demandando emprego. O alto grau de instrução exigido nos empregos do ramo também é um fator que reforça esse padrão, fazendo com que a atração de pessoas para o município aconteça de maneira mais “contida”. A desarticulação e até mesmo a migração de pequenos produtores agrícolas também podem ser fatores que tenham contribuído para espantar populações mais pobres para fora do município, as quais buscam novas oportunidades de trabalho e vida em outros locais.

Em síntese, a maior oferta de empregos qualificados em Mucuri, com faixas de rendimentos mais elevadas, a não atração de migrantes e a sedução da cidade de Teixeira de Freitas, aliadas aos investimentos da empresa em serviços de apoio, elevaram os indicadores utilizados nos cálculos de pobreza e realçaram a importância de Mucuri entre os municípios baianos nesse aspecto.

07
Referências

ACSELRAD, Henri. O movimento de resistência à monocultura do eucalipto no Norte do Espírito Santo e Extremo Sul da Bahia–uma sociologia da recusa e do consentimento em contexto de conflito ambiental. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. 2007.

ALMEIDA, Thiara Messias de et al. Reorganização socioeconômica no extremo sul da Bahia decorrente da introdução da cultura do eucalipto. Revista Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 20, n. 2, p. 5-18, dez. 2008. Disponível em: www.scielo.br/pdf/sn/v20n2/a01v20n2 . Acesso em: 20 mar. 2019.

BAHIA. Lei nº 13214 de, 29 de dezembro de 2014. Dispõe sobre os princípios, diretrizes e objetivos da Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia, institui o Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial – CEDETER e os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – CODETERs. Diário Oficial do Estado da Bahia, Salvador, ano XCIX, n. 21.605, p. 1, 30 dez. 2014.

BARRETO, Joice Grave. Entrevista concedida a Edgard Porto. Salvador, 18 out. 2018.

CENSO AGROPECUÁRIO 2006: Brasil, grandes regiões e unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.

CENSO DEMOGRÁFICO 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 20 mar. 2019.

CENSO DEMOGRÁFICO. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.

CENSO DEMOGRÁFICO. Rio de Janeiro: IBGE, 1991.

CENSO DEMOGRÁFICO. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.

CENSO DEMOGRÁFICO. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

CERQUEIRA NETO, Sebastião P. G. de; SILVA, Sylvio B. M. Eucaliptização: um processo de especialização do Extremo Sul da Bahia? Campo-Território: Revista de geografia agrária, Uberlândia, v. 3, n. 6, p. 85-108, ago. 2008. Disponível em: www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/1097_Eucaliptiza%e7ao.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.

CERQUEIRA NETO, Sebastião Pinheiro Gonçalves de. Três décadas de eucalipto no extremo sul da Bahia. GEOUSP: Espaço e Tempo, São Paulo, n. 31, p. 55-68, 2012. Disponível em: www.revistas.usp.br/geousp/article/download/74252/77895. Acesso em 20 mar. 2019.

DORES, Adely Maria Branquinho das et al. Panorama setorial: setor florestal, celulose e papel. 2007.

FERREIRA, Simone Raquel Batista. Da fartura à escassez: a agroindústria de celulose e o fim dos territórios comunais no Extremo Norte do Espírito Santo. 2002. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativa da população 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?edicao=16985&t=downloads. Acesso em: 20 mar. 2019.

JORGE, Mauricio Otavio Mendonça. Emergência e consolidação do “padrão eucalipto” na industria brasileira de celulose de mercado. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1992. Disponível em: www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/285781 . Acesso em: 20 mar. 2019.

MONTEIRO, Carlos A. F. A questão ambiental no Brasil: 1960-1980. São Paulo: USP, 1981.

OLIVEIRA, Jacson Tavares de. Território do agronegócio: expansão dos monocultivos do eucalipto e da produção de celulose na Bahia. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2014. Disponível em: www.monografias.ufs.br/bitstream/riufs/5599/1/JACSON_TAVARES_OLIVEIRA.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.

ROCHA, Georges Souto. Problemas políticos, sócio-econômicos e ambientais de grandes projetos energo-intensivos: o caso da indústria de celulose e papel no Extremo Sul da Bahia. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-

GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE, 1., 2002, Indaiatuba, SP. Anais […]. Indaiatuba, SP: ANPPAS, 2002. Disponível em: anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/energia/Georges%20Souto%20Rocha.pdf . Acesso em: 20 mar. 2019.

SOUZA, Roberta Lourenço de; OLIVEIRA, Meire Jane Lima de. Desempenho da indústria de papel e celulose de mercado: Brasil e Bahia 1999/2001. Conjuntura & Planejamento, Salvador, n. 92, p. 19-29, jan. 2002. Disponível em: www.sei.ba.gov.br/images/publicacoes/download/cep/c&p_92.zip. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Celulose e turismo: Extremo Sul da Bahia. Salvador: SEI, 1995. 132 p. (Série Estudos e pesquisas, 28).

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Dinâmica sociodemográfica da Bahia: 1980-2000. Salvador: SEI, 2003. 2 v. (Série Estudos e pesquisas, 60). Disponível em: www.sei.ba.gov.br/images/publicacoes/download/sep/sep_60vol01.zip. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Estatísticas dos Municípios Baianos. v. 4, n. 1. Salvador: SEI, 2012.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Perfil dos territórios de identidade. Salvador: SEI, 2015. v. 1. 255 p. Disponível em: www.sei.ba.gov.br/images/publicacoes/download/perfil_dos_territorios/ptib_vol_01.zip. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Pobreza na Bahia em 2010: dimensões e dinâmicas regionais. Salvador: SEI, 2014. 193 p. Disponível em: www.sei.ba.gov.br/images/publicacoes/download/sep/sep_97.zip. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A. Apresentação institucional: 3T18. São Paulo: [s. n.], 2018. Disponível em: ri.suzano.com.br/ptb/7207/647211.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A. Demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2018 e relatório do auditor independente sobre as demonstrações financeiras individuais e consolidadas. São Paulo: Suzano, 2019. Disponível em: ri.suzano.com.br/ptb/7366/666830.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.

SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A.; FIBRIA CELULOSE S.A. Fato relevante. São Paulo: [s. n.], 2019. Disponível em: ri.suzano.com.br/ptb/7325/660680.01.14%20-%20Fato%20Relevante_Conclusao%20da%20Operacao%20com%20a%20Fibria_PT_EN.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.

TOLEDO, Y. I. M. Comportamento do emprego na silvicultura paulista. 1994. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. Disponível em: repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/285667/1/Toledo_YulyIveteMiazakide_D.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.>/p>

Deixe um comentário