Igreja

01
A união da Igreja e do Estado entre os séculos XVII e XIX

Dentro das perspectivas oriundas da análise da relação entre Igreja e Estado durante os séculos XVII e XIX que corroboram a avaliação da trajetória do desenvolvimento regional da área de estudo, compreende-se a Igreja como uma força social estrutural que se apresenta nas relações de aspectos comunitários da sociedade e na ramificação do poder político. Os estudos de Antonio Gramsci (2004), Mauricio de Sousa (2013), Márcio Alves (1979) e Adriana Citino (2012) apontam que as ações desta força social possuem significados mais profundos do que a religiosidade e marcaram relações de poder que evidenciaram a supremacia da Igreja Católica Apostólica Romana.

Apesar de nem sempre ocupar lugar de destaque na Academia, o estudo das Religiões faz-se necessário se quisermos compreender a História das sociedades, uma vez que os estudos econômicos, políticos, dentre outros, por si só não conseguem abarcar a complexidade das vivências humanas. Apesar das diferentes interpretações sobre as funções e conteúdos da religião, ela é comumente considerada por vários autores clássicos das Ciências Humanas como elemento importante para analisar e compreender os processos sociais e suas estruturas. (ALVES, 2003, p. 14).

No contexto da região estudada, parte das relações de poder na Bahia esteve intrinsecamente ligada a uma ação desencadeadora de desenvolvimento promovida por uma atividade econômica – a mineração – que respaldou um processo de crescimento urbano caracterizado por contradições, uma vez que estes espaços estão marcados por uma modernização conservadora. Os estudos de Rosemeire Melo e Souza e Dante Giudice revelam que as cidades coloniais ligadas à mineração foram importantes para a integração macrorregional do país, visto que atraíam um grande contingente populacional.

As principais características das cidades da mineração eram que elas se constituíam de uma população livre expressiva, muitas vezes maior que a população escrava, um fato raro na colônia. Elas possuíam uma classe média urbana desenvolvida, que exigia um comércio e demais atividades capazes de atender as novas necessidades, inclusive culturais, o que levou a ampliação e diversificação das funções urbanas fundamentais, e aprofundou, tanto localmente quanto regionalmente, a divisão socioespacial do trabalho, e se traduziu num sistema urbano jamais visto na colônia. (GIUDICE; SOUZA, 2009, p.206).

Este contingente populacional professava, em sua maioria, a fé católica e seguia os costumes e conduta direcionados por esta religião, sendo que as “elites” locais financiavam as atividades religiosas em prol do apoio político. Os estudos de Solange Alves (2003) apontam que a Igreja e o Estado estavam intrinsecamente ligados e que, na Bahia, essa relação foi fortalecida na dinâmica educacional com uma estrutura pedagógica de ensino incluindo leis morais e severas normas que propagavam elementos condicionantes ao comportamento social local.

A estrutura político-administrativa do período imperial atribuiu aos párocos importantes atividades censitárias, como os registros paroquiais de terra (Lei das Terras de 1850), que indicavam propriedades, proprietários e limites, permitindo apontar as cadeias sucessórias e localizar unidades agrárias. Mesmo com o fim da Lei das Terras de 1850, observou-se que a Igreja Católica continuou exercendo forte influência sobre as decisões voltadas para as questões fundiárias, visto que a instituição detinha os registros ligados a esses assuntos.

Na região de estudo, existiram outros movimentos religiosos (protestantismo, espiritismo), que, junto com os ideais iluministas, promoveram diferentes ações, inclusive redimensionando a diversidade de atuação da Igreja Católica – ibérica, romana – na área. Esses ideais chegaram à região devido às pontes comerciais estabelecidas com as lideranças locais, resquícios das relações geopolíticas da atividade de mineração e das ligações pontuais com políticos do território brasileiro. Com base nesse conjunto de reflexões, questionam-se os seguintes pontos sobre a análise:

  • Quais as interações entre os representantes religiosos, as lideranças locais e os aspectos socioeconômicos da região?
  • Quais as ações da Igreja que contribuíram com o desenvolvimento socioeconômico deste território?
02
A instalação da diocese

As ações implementadas pela Igreja no ideal de romanização contribuíram para que transformações sociais, políticas e econômicas ocorressem durante o período de 1905 a 1913. Através dessas ações, a Igreja Católica pretendia afirmar sua hegemonia religiosa e minimizar a disseminação das ideias modernistas. As instalações das dioceses representavam um novo momento da Igreja Católica, que se estruturava em relação à sua perda de influência no Estado e ao combate à redução de fiéis nas diversas regiões do Brasil.

Os estudos de Patrícia Pina e Zezito da Silva (2013) informam que, em 1913, foi criada a Diocese de Caetité, através da bula do papa Pio X, para que a unidade religiosa atendesse às necessidades da pastoral regional. Com o crescimento populacional da região eram imprescindíveis mais visitas do arcebispo, que tinha como desafios a distância e a necessidade de visitar outras regiões.

Na passagem do século XIX para o século XX, a Igreja Católica no Brasil, já na Era Pós-Padroado, efetivou um amplo processo de construção institucional, encaminhado através da criação de dioceses, da formação de patrimônio eclesiástico e da eleição de bispos fiéis a autocompreensão ultramontana da Igreja. Respondia, assim, ao duplo desafio de praticar as novas diretrizes e empreendimentos da Santa Sé, bem como de reestruturar-se organizacionalmente face aos condicionantes sócio-políticos da sociedade brasileira da época. (AQUINO, 2008, p.01)

Essa região possui atualmente práticas do “catolicismo popular” que resistem e ressignificam esses espaços, tais como as festas dedicadas aos santos – a exemplo de Nossa Senhora de Santana –, a participação nas missas e rezas diárias, as festividades do ciclo natalino e romarias. No que tange às romarias, a de Bom Jesus da Lapa é a de maior importância, pois movimenta toda a região tanto em processos migratórios quanto em relação às questões culturais e econômicas, mantendo uma forte interação com outras localidades. A Diocese de Caetité representou um elemento importante de desenvolvimento.

A criação desta Diocese, que sucedeu à emancipação, em 1810 e elevação à cidade, em 1867, como em tantos outros lugares, também aqui, foi mais um importante fator de desenvolvimento social e religioso da cidade e da região. Com este desenvolvimento contribuíram ainda: a construção do primeiro aeroporto do sertão baiano, a implantação do Círculo Operário, a abertura do Seminário São José, a instalação da Rádio Educadora e mais tarde, a implantação das Escolas Famílias Agrícolas com sua metodologia educacional da Pedagogia da Alternância e da Universidade do Estado da Bahia e tantas outras coisas. (OLIVEIRA; DWORAK, 2013, p.60).

A ação dos bispos da Diocese de Caetité foi de basilar importância para a manutenção do catolicismo na região e dos arranjos socioespaciais locais. Na obra 100 Anos de Fé e Missão nas Terras Sagradas do Sertão-Bahia, percebe-se que a atuação de cada bispo era diferenciada conforme a necessidade temporal socioeconômica e tinha como principal objetivo a territorialização da fé católica. Entre as ações desenvolvidas pelos bispos estavam o incentivo ao plantio de frutas, doações de alimentos aos mais pobres, construção de equipamento de lazer, atenção básica à saúde, dentre outras. Sendo assim, com base nessas reflexões, questiona-se: Quais possíveis dinâmicas socioespaciais foram criadas a partir da instalação da Diocese de Caetité?

Nesse sentido, torna relevante destacar destacar que o papel social dos bispos era para além de questões religiosas. Eles fundaram a Rádio Educadora e a Fundação de Letras que se transformou posteriormente Universidade do Estado da Bahia – UNEB em Caetité. Mas não podemos diminuir o papel da educação dentro das ações religiosas. “Não consigo separar o papel de uma ou outra instituição”, como disse a professora Fernanda Matos ao comentar a responsabilidade sobre a função de educar das escolas formais e da igreja.

03
A Igreja e a relação com os movimentos sociais

No que tange à interação com os movimentos sociais da região, nota-se que a Igreja Católica teve uma expressiva influência e atuação. As ações de caridade passaram a ter uma relevância maior na região, principalmente com a aparente falta de efetividade das políticas públicas no que diz respeito às populações menos favorecidas. Sua atuação contribuiu positivamente com os movimentos sociais ligados à terra, através da Teologia da Libertação, criada com base nas teorias marxistas. “Na América Latina – região na qual a Teologia da Libertação mais frutificou –, as décadas de 1950 e 1960 apresentaram um forte incremento industrial e uma intensa migração entre campo e cidade” (NETO, 2007, p.332).

No Brasil, a Igreja esteve, particularmente, durante esses cinco séculos de história, diretamente envolvida com a vida social das pessoas, preferencialmente dos mais pobres, basta lembrar de imediato a fundação das Santas Casas de Misericórdia para cuidar da saúde dos pobres, bem como nos últimos tempos a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) que nasceu das reflexões das Comunidades Eclesiais de Base-CEBs e que hoje é o amparo da saúde de milhões de brasileiros. (RODRIGUES, 2013, p.165).

Os estudos de Rodrigues (2013) revelam que a Comissão Pastoral da Terra e a Cáritas, no decorrer da história, contribuíram com a formação de líderes em defesa da terra e dos direitos humanos. Na região do estudo, destacam-se os seguintes caminhos formativos que podem ter gerado benefícios para o desenvolvimento social: as missões evangelizadoras, a Escola Fé e Política, as comunidades eclesiais de base, o Movimento de Educação de Base, as escolas família agrícola, pastorais sociais e a Pastoral da Criança. Nesse contexto, é possível supor que determinadas ações dos segmentos religiosos influenciaram diretamente a conduta social daquela região. Com base nisso, levanta-se a seguinte questão: em que medida as ações da Igreja contribuíram para a diminuição dos índices de vulnerabilidade social na região?

04
Referências

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AQUINO, M. A criação da Diocese de Botucatu e a ação romanizadora de seu primeiro bispo, D. Lúcio Antunes de Sousa (1909-1923). In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES, 2008. Anais…, ABHR, 2008. Disponível em:< http://www.abhr.org.br/?page_id=57> . Acesso em 10 julho 2017.

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NETO, A. J. M. A Igreja Católica e os Movimentos Sociais do Campo: a Teologia da Libertação e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Caderno CRH, Salvador, v. 20, n. 50, p. 331-341, 2007. Disponível em
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