- Processos que estruturaram o desenvolvimento econômico da Mancha Sudoeste
- Mineração, agricultura, pecuária e suas diferenciações espaciais
Inserção regional até o final do século XIX - Os projetos de investimentos em infraestrutura ferroviária e rodoviária
Inserção regional do início do século XX aos anos de 1950 - Projetos de infraestrutura rodoviária e ferroviária e suas repercussões regionais
Inserção regional de meados do século XX aos dias atuais - A importância dos investimentos em irrigação do DNOCS
Inserção regional de meados do século XX aos nossos dias - A chegada do DNOCS à região como resultado de possíveis articulações políticas das lideranças locais
Inserção regional de meados do século XX aos nossos dias - O contexto de atuação do DNOCS e a preexistência dos plantios irrigados na região de estudo
Inserção regional de meados do século XX aos nossos dias - As principais ações do DNOCS
Inserção regional de meados do século XX aos nossos dias - Principais repercussões dos investimentos do DNOCS
Inserção regional de meados do século XX aos nossos dias - Análise e caracterização dos cinco municípios em relação à Mancha Sudoeste
- A ampliação e diversificação agrícola como consequência das ações voltadas para a irrigação
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - A presença de rendimentos médios relativamente mais elevados nos municípios de análise
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - A forte importância da agropecuária na estrutura da ocupação
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - O maior grau de alfabetização da população
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - A importância dos estabelecimentos de agricultura familiar e sua relativa maior integração ao mercado
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - O menor grau de analfabetismo nos estabelecimentos de agricultura familiar
Características empíricas que diferenciam os cinco municípios da Mancha Sudoeste - Referências
Um dos elementos essenciais para a compreensão da atual conformação da pobreza e sua relativa menor incidência nos municípios objetos do estudo está na análise dos processos econômicos ocorridos na região em que tais municípios se inserem. Acredita-se que a específica dinâmica socioeconômica regional desenvolvida nos últimos três séculos na área da Mancha Sudoeste pode trazer aspectos relevantes para entender a causa de esses municípios serem tão diferenciados quanto à pobreza em relação aos seus semelhantes em termos de porte de cidades e PIB. Para tal compreensão, foram tomados três períodos históricos básicos de análise, os quais serão apresentados ao longo da explanação do texto. Cada um deles está relacionado com os principais elementos que identificam a estrutura da economia da região ao longo do tempo.
Nesse primeiro período da análise, observou-se que as atividades de mineração, pecuária e agricultura foram os principais elementos formadores da dinâmica econômica da região. Entretanto, apesar de seguirem juntas, tais atividades nem sempre estavam associadas ou mesmo concentradas nos mesmos municípios. A mineração de ouro e diamante se desenvolveu desde o século XVIII, esgotando-se no final do século XIX, com ocorrências mais significativas no entorno de Rio de Contas e seguindo ao norte, passando por Mucugê, Lençóis, Morro do Chapéu e Jacobina. É a região que se pode denominar de Chapada Diamantina, com sua parte sul inserida na presente área de análise.
Concomitantemente a essa atividade, a agropecuária foi um setor que se desenvolveu em todos os municípios da antiga Região Econômica da Serra Geral (adotada pelo governo da Bahia entre as décadas de 1980 e 1990), mas com relativa polarização no entorno de Caetité e nas cidades de Rio de Contas e Livramento do Brumado, onde foram identificadas áreas irrigadas desde meados do século XIX, segundo relato de viagem de Teodoro Sampaio (1905).
Do ponto de vista espacial, a atividade de mineração possuía uma delimitação bastante definida em torno das formações geológicas e da topografia, enquanto que a agropecuária se alastrava por toda a região sudoeste baiana. Apesar da menor e limitada dimensão territorial da atividade extrativa mineral na região, sua dinâmica estava fortemente atrelada ao então centro político do país, o Rio de Janeiro, através da Estrada Real, por onde era possível escoar o ouro e o diamante, entre os séculos XVIII e XIX. O processo de transferência da capital do país para o Rio de Janeiro elevou a centralidade das atividades comerciais na região Sudeste e reduziu o papel de Salvador e seu Recôncavo nas trocas de mercadorias do Brasil com outros países. Isso reforçou a condição de centro polarizador dos fluxos de pessoas do Rio de Janeiro, o que o tornava um destino atrativo, juntamente com São Paulo, no final do século XIX, para aqueles que buscavam trabalho.
Por sua vez, o Rio São Francisco era também uma importante ligação entre o Nordeste e o Sudeste, afora o sistema de transporte marítimo, o que proporcionou à cidade de Caetité a condição de centro urbano de crescente importância a partir do século XIX, pela sua localização estratégica para a circulação das boiadas entre o interior da Bahia e outras regiões do Brasil, bem como pelas suas condições edafoclimáticas, o que permitiu atrair importantes fluxos de migrantes europeus e de Minas Gerais.
Quando trata das principais rotas de comércio no século XIX, Pires diz que “[…]Caetité (grande centro distribuidor), Rio de Contas e Minas Novas tornaram-se polos ativos, através da cultura de subsistência e do gado […]”, especialmente pela demanda de abastecimento dessa região gerada pela exploração de diamantes na Chapada Diamantina nas primeiras décadas daquele século. (GUIMARÃES, 2012, p. 28).
Essas diferentes combinações entre condições físicas e econômicas proporcionaram o surgimento de dois polos de produção no meado do século XIX, ambos desenvolvidos com base nas atividades de mineração e agropecuária: um em Caetité e outro em Rio de Contas, sendo que o primeiro já apresentava sinais de declínio na época, enquanto que o segundo exibia uma trajetória ascendente. Entretanto, como característica comum, ambos possuíam precárias condições de meios de ligação com o litoral brasileiro, operando com transporte a cavalo e carroças.
SANCHES e SANCHES (2006), citando outros autores, descrevem a região no século XVIII como um ambiente de desordem social, em função das formas de exploração que elevaram os níveis de degradação ambiental, principalmente a poluição de rios por mercúrio, fazendo referência ao processo de exploração mineral na época.
Além de alguns pequenos núcleos dedicados à mineração do ouro, como a vila do Rio de Contas e a comarca de Jacobina, havia outros construídos em áreas planas onde existiam fazendas muito pobres em áreas secas, geralmente em torno de umas poças ou péssimas cisternas. O quadro social era de uma população flutuante e perigosa de homens de aluguel, que vagavam por aqueles sertões para fazer o trabalho sujo dos coronéis (SILVA, 1997 apud SANCHES; SANCHES, 2006, p. 4).
Ao final do século XIX, com o esgotamento das atividades de mineração, restou apenas a esses dois polos econômicos a busca pelo fortalecimento das atividades agropecuárias como forma de permanecer dinamizando sua economia e garantindo a reprodução das condições materiais da população ali residente.
Parte dessa busca pode ser ilustrada no caso da cidade de Caetité, através da identificação de iniciativas de lideranças políticas locais, as quais esboçavam ideias e estratégias voltadas para o direcionamento do desenvolvimento regional durante esse período. Embora muitas vezes não consolidadas, diversas iniciativas foram definidas com base em pensamentos modernistas, focados na instalação de algumas indústrias, na infraestruturação de serviços e na formação de mão de obra qualificada, não restrita às áreas tradicionais, como medicina e direito, mas também de trabalhadores rurais. Somadas a isso, havia preocupações de cunho educativo e de saúde da população, as quais eram vistas como importantes para garantir uma melhor qualidade de vida e evolução social.
Ao longo dessa fase, a rigor, a economia baiana ainda estava pautada na produção da agropecuária tradicional, que se fortalecia e avançava especialmente na direção do interior do estado, até a altura do Rio São Francisco, o qual se tornaria uma importante via de ligação fluvial entre o norte e o sul do país. Grande parte da produção agropecuária da época circulava em direção aos seus mercados de forma bastante rudimentar, movida a tração animal, e seguia para destinos muitas vezes isolados e dispersos no território. Entretanto, além da capital, algumas concentrações urbanas assumiam o papel de distribuidores regionais desses produtos e agrupavam atividades comerciais e de serviços como forma de amenizar tais dificuldades. Entre essas concentrações destacavam-se:
- Salvador: principal centro das importações e exportações do estado, utilizava Cachoeira e São Félix como centros de distribuição para as regiões sul, sudoeste e a área central da Bahia.
- Juazeiro: centralizava os fluxos que circulavam pelas áreas lindeiras ao Rio São Francisco, desde o norte de Minas Gerais até o interior do Nordeste do Brasil;
- Barra: cidade que articulava os fluxos comerciais com interior do Piauí
- Caetité: articulava fluxos de mercadorias entre as áreas próximas do Rio São Francisco e as regiões mais próximas do litoral baiano.
Entretanto, é importante destacar que, apesar do estabelecimento dessas relações comerciais dentro do estado, a economia baiana no final do século XIX estava diante de uma crise produtiva que, em parte, já vinha se desenvolvendo desde o século anterior. “A produção de cana caiana fora atingida por uma peste, o algodão caíra totalmente de demanda e exploração e a mineração declinou no interior do estado” (ZORZO, 2000, p. 102). Ainda assim, mesmo diante desse contexto de enfraquecimento econômico, investimentos de grande porte foram realizados no estado, durante toda a segunda metade do século XIX e até meados do século XX. Basicamente, esses projetos estavam voltados para o desenvolvimento de infraestrutura de transportes, através da construção de ferrovias. Não apenas a Bahia, mas outras áreas do país também se beneficiaram desse tipo de investimento na época.
Dentro do estado, a mais antiga ferrovia construída nesse contexto foi a Estrada de Ferro da Bahia, que ligava a capital a Juazeiro, cuja obra iniciou-se em 1856, vindo a ser concluída em 1895. Em seguida vieram a “Estrada de Ferro Central da Bahia, Estrada de Ferro de Nazaré, Estrada de Ferro de S. Amaro, Estrada de Ferro de Bahia a Minas, Ramal Alagoinhas a Timbó e Estrada de Ferro de Sergipe, Estrada de Ferro de Ilhéus a Conquista. A extensão máxima da rede ferroviária baiana ocorreu por volta de 1950, quando atingiu cerca de 2.600 quilômetros em tráfego” (ZORZO, 2000, p 101).
É importante salientar que a Estrada Central da Bahia buscava interligar os fluxos econômicos do Recôncavo baiano com o denominado Altos Sertões, na direção da Chapada Diamantina, voltando-se para a circulação de minerais e produtos da agropecuária. Sua construção foi iniciada em 1865 e somente em 1928 alcançou Contendas do Sincorá (GUIMARÃES, 2013).
A ferrovia prometia, por um lado, o desenvolvimento da economia capitalista no Brasil, e por outro, a integração política nacional. Ambos processos influenciariam mudanças em hábitos culturais. As noções de tempo, distância e duração seriam profundamente transformadas (LIMA, 2003, p. 24 apud GUIMARÃES, 2012, p.97).
Seu projeto inicial previa um traçado que interligava o litoral à região do São Francisco, no sentido leste-oeste. Percorria o vale do Rio Paraguaçu, alcançava a cidade de Rio de Contas, chegaria a Caetité e alcançaria o Rio São Francisco. Mas, a partir do final do século XIX, surgiram propostas de alteração desse traçado, as quais implicavam mudanças na sua direção, com o objetivo de fazer a ferrovia alcançar o norte de Minas Gerais, modificando as articulações para o sentido norte-sul do Brasil. Inicialmente, discutiu-se a possibilidade de esse novo traçado alcançar a cidade de Caetité, onde foi criada uma significativa expectativa. Entretanto, posteriormente, em 1923, foi anunciada a decisão de redirecionamento do traçado, da antiga localidade de Bom Jesus dos Meiras, hoje Brumado, para Monte Sudoeste, em Minas Gerais.
O que parece claro é que os projetos de construção dessas ferrovias tinham grande importância para o estabelecimento de articulações entre mercados dentro do estado, durante a segunda metade do século XIX, possibilitando a realização dos fluxos de mercadorias entre o interior e o litoral baiano, principalmente os relacionados com a produção agropecuária. Entretanto, a partir dos anos de 1920 e 1930, com o processo de industrialização na região Sudeste do Brasil, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, as atenções se voltaram para articular a circulação das mercadorias entre o Nordeste e o Sudeste, o que pode ter sido uma das causas das tendências de inflexão da direção leste-oeste da Bahia para o norte-sul do Brasil (mapa a seguir).
Plano geral de viação nacional – 1934
Fonte: BRASIL, 1974
Outro ponto relevante a ser destacado sobre esse contexto de mudanças é que a crescente presença do automóvel no mundo alcançou a Bahia no início do século XX. A primeira revenda Overland (marca francesa) em Salvador foi instalada em 1910, e em 1928 a fiscalização municipal informava que a cidade já tinha em circulação na área urbana 907 automóveis (ver https://oldraces.blogspot.com.br/2014/04/salvador-antiga-e-o-automovel-1871-1959.html, acessado em 18/09/2017).
Essa transformação no sistema de transporte, através do automóvel, reforçou a necessidade de ampliação da rede viária na Bahia, o que se iniciou com o “[…] primeiro plano rodoviário, em forma de legislação, que foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia em 31 de agosto de 1917” (ZORZO, 2000, p.109).
Estradas de rodagem mais amplas que favorecessem o trânsito de automóveis foram insinuadas no final da década de 1910, mas só vieram a ser pensadas com maior afinco nos anos vinte, e mais efetivamente em fins dessa década com a chegada de agentes da Ford, em Riacho de Santana, e da Chevrolet, em Caetité. (GUIMARÃES, 2012, p. 101).
Entretanto, nas décadas de 1930 e 1940, as novas rodovias tinham a perspectiva de relacionar as cidades do entorno do antigo Recôncavo com a metrópole, seja diretamente, como foi o caso da estrada de ligação de Feira de Santana com Salvador, ou indiretamente, através do transporte fluvial e marítimo. Merece destaque a rodovia que interliga Feira de Santana com Vitória da Conquista, o que sugere o deslocamento dos fluxos comerciais e de pessoas entre o Nordeste e o Sudeste (mapa a seguir).
Rodovias implantadas nas décadas de 1930 e 1940 – Bahia
Fonte: Elaboração própria com base em Zorzo (2000)
Isso insinua que os novos corredores de transporte que passaram a surgir no início do século XX estavam voltados para atender aos novos fluxos comerciais que se estabeleciam entre a Bahia e a Região Sudeste do país, indicando uma tendência de afastamento da Mancha Sudoeste, especialmente Caetité, em relação aos eixos de circulação mais importantes, tanto do ponto de vista das ferrovias quanto da nova fase do rodoviarismo, que teve seguimento a partir da década de 1950.
Os anos de 1950 são reconhecidos por vários estudiosos e políticos como expressivos nas definições dos rumos da dinâmica econômica do país. Como exemplo, tem-se o momento marcado pela aplicação das propostas econômicas desenvolvimentistas, em parte expresso, durante os anos de 1956 e 1961, pela liderança política de Juscelino Kubitschek, enquanto foi presidente do Brasil.
Com o processo de industrialização em forte curso de expansão nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, o governo JK atraiu expressivos investimentos na área automobilística, reforçando os polos industriais que se desenvolviam na ocasião. A vinda dessas multinacionais se refletiu em uma reestruturação dos transportes no país, inaugurando o chamado rodoviarismo, o qual implicou a crescente abertura de vias rodoviárias para a circulação de mercadorias e de pessoas para outras regiões do Brasil e o predomínio do transporte rodoviário sobre os demais modais. A partir dessa fase, a Bahia tornou-se um centro de passagem entre os fluxos do Sul-Sudeste e Nordeste brasileiro, principalmente através da abertura da BR-116, o que contribuiu para reforçar o polo urbano de Vitória da Conquista. É possível que tal reforço tenha sido acompanhado de um desvio dos fluxos comerciais para longe de Caetité e da Mancha Sudoeste, o que pode ter levado ao enfraquecimento das possíveis tendências de crescimento econômico nesse grande espaço e, portanto, na sua subordinação à área de influência de Vitória da Conquista.
Dessa forma, é importante reconhecer o fato de que houve uma grande transformação dos destinos dos fluxos econômicos na Bahia, os quais estavam anteriormente voltados para o desenvolvimento do interior do estado e para o fortalecimento dos vínculos comerciais entre os seus próprios municípios e o comércio exterior. Mais tarde, a direção desses fluxos mudou, fortalecendo as relações comerciais entre as próprias metrópoles do litoral do país. Durante esse período é possível também identificar o enfraquecimento do modal ferroviário, em que pese a existência de alguns investimentos remanescentes. Além disso, os projetos de construção de ferrovias nessa época refletiam a tendência de reforço dos fluxos econômicos entre as regiões Nordeste, Sul e Sudeste. Gradativamente, as rodovias ganharam a preponderância quase que absoluta nos fluxos de carga e de pessoas na Bahia e foram se expandindo na direção de distintas regiões do estado, conforme o mapa a seguir.
A rede rodoviária e a rede de cidades mais importantes mostram a estruturação espacial, com uma significativa irrigação, apesar da relativamente baixa densidade da economia, a qual se concentrou nos extremos do território baiano. A acessibilidade representada pela BR-030 reforçou as cidades mais importantes da região de Caetité, incentivando a polaridade de Brumado, pela sua produção preponderantemente industrial, e Guanambi, incrementado pela produção de algodão. Assim, concentraram-se ainda mais os fluxos dessa região na direção de Vitória da Conquista, grande polo de comércio e de serviços de apoio macrorregional.
Principais rodovias, cidades e maiores PIBs – Bahia
Fonte: SEI
É possível vislumbrar que, do ponto de vista econômico, toda essa área referente à Mancha Sudoeste passou por uma perda relativa de posição diante de outras regiões da Bahia, o que pode explicar por que a estratégia de desenvolvimento pensada pelas lideranças do polo cultural de Caetité, nas primeiras décadas do século XX, não alcançou sucesso. Acredita-se que isso aconteceu não por conta de falhas na concepção das estratégias, mas sim porque os líderes locais não tiveram a devida compreensão das transformações dos processos econômicos que estavam ocorrendo na Bahia e no Brasil, os quais resultaram no fortalecimento de vetores de desenvolvimento direcionados para as áreas do litoral, deixando de lado a perspectiva voltada para o interior do país.
É inegável, entretanto, a tendência de expansão do agronegócio na direção do interior do Brasil, a partir da década de 1980. Porém, tal processo tem se realizado sob outras lógicas, atreladas a novos padrões produtivos, com diferentes demandas por elementos de infraestrutura, de porte e características muito diferenciadas das antigas formas de produção agropecuária, e com nova espacialização da sua ocupação na direção sul-norte da região dos cerrados.
De um modo geral, tem-se como hipótese a ideia de que toda essa dinâmica pode ter representado uma marginalização da área que abrange a Mancha Sudoeste dos processos mais modernos de desenvolvimento na Bahia e no Brasil. Isso pode ter possibilitado uma relativa conservação da estrutura das relações sociais, implicando a preservação de determinados padrões de comportamento da sociedade, herdados do início do século XX, principalmente em termos de formação social e de educação. Não significa dizer que essa região “parou no tempo” quanto aos aspectos apresentados. Afinal, a convivência em um mundo cada vez mais globalizado implica necessariamente processos de transformação dos padrões sociais de hábitos, comportamentos, consumo etc. Porém, acredita-se que a influência externa dos aspectos típicos do mundo moderno, bastante fortes nas grandes metrópoles, tenha alcançado de forma menos agressiva e, portanto, com um potencial menor de transformação nos municípios que integram a Mancha Sudoeste, o que possibilitou uma preservação de parte dos costumes sociais tradicionais dessa área. Entretanto, apesar desse grau de preservação, é preciso destacar que, no que tange à rede urbana, identificam-se redefinições em termos de polarizações ao longo do tempo, o que parece ter sido fortemente influenciado pelos fluxos nacionais e pelo processo de reforço das interações sociais e econômicas entre o Nordeste e o Sudeste do Brasil.
Essa questão foi bastante explorada durante as rodadas de discussão realizadas com diversos pesquisadores e estudiosos. De um modo geral, segundo os mesmos, é factível sim que a região da Mancha Sudoeste tenha passado por um processo de marginalização depois dos novos processos de reestruturação econômica e de infraestrutura. Tal processo pode ter contribuído para a preservação de suas características materiais, hábitos e costumes.
Segundo o professor Jorge Antônio (UFRB), a marginalização dessa região pode ter favorecido ainda mais para que os elementos da educação, cultura e religião ganhassem importância para garantir manutenção de uma coesão social que se consolidou ao longo do processo histórico. Para ele, isso favoreceu o fortalecimento dos laços econômicos locais.
Diante disso, o professor apresentou pontos reflexivos importantes sobre essa questão, trazendo a discussão para a contemporaneidade, tendo em vista que hoje essa região não mais pode ser vista como um espaço à margem. Elementos como o desenvolvimento de novos setores econômicos (energia eólica, urânio e ferro) e fortalecimento dos meios de comunicação através do avanço da informática têm contribuído para uma maior integração da região com a dinâmica socioeconômica a nível macro nos dias atuais. Nesse sentido, torna-se relevante refletir sobre os impactos desse novo contexto regional para a preservação ou transformação das características que definem a Mancha Sudoeste como um espaço diferenciado.
O professor Gildásio Santana (UESB) também chama atenção para os possíveis impactos dos novos aspectos da sociedade contemporânea na Mancha Sudoeste. Segundo ele, para os dias atuais, é importante verificar como esses novos elementos reforçam ou fragilizam a estrutura formada historicamente na região, tendo em vista o atual contexto de maior integração da mesma aos mercados. Ele defende a ideia de que ao longo dos anos a Mancha Sudoeste migrou da condição de um espaço “isolado” para um espaço integrado. Isso, segundo o mesmo, atribui à região um caráter estratégico para o desenvolvimento econômico da Bahia, através da sua importância como área de desenvolvimento de atividades econômicas relevantes como a energia eólica e a mineração. Por fim, o mesmo questiona como esses novos projetos reforçam as condições diferenciadas de pobreza nessa região.
CICLOS DA REDE URBANA DA MANCHA SUDOESTE E IMEDIAÇÕES
1. Fase da mineração – até o século XVIII
Um polo: Rio de Contas
Fonte: Elaboração própria
2. Fase da transição mineração/agropecuária – século XIX
Dois polos: Rio de Contas e Caetité
Fonte: Elaboração própria
3. Fase do avanço na agropecuária e da expansão da rede urbana – até meados do século XX
Sem polos definidos
Fonte: Elaboração própria
4. Fase da diversificação com concentração espacial da agropecuária, indústria, comércio e serviços – segunda metade do século XX até a atualidade
Um grande polo: Vitória da Conquista
Fonte: Elaboração própria
Algumas questões:
-
- Quais projetos de infraestrutura rodoviária e ferroviária foram responsáveis pelas transformações regionais e nos cinco municípios?
- A presença da rede urbana foi importante para explicar as características da região da Mancha Sudoeste e dos cinco municípios?
O entendimento dos aspectos da atuação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) na região em estudo pode trazer elementos esclarecedores para identificar transformações sociais e econômicas que contribuíram para a conformação do atual quadro socioeconômico com incidência relativamente menor de pobreza nos municípios estudados. O DNOCS foi um importante realizador de ações de infraestrutura hídrica na região, através da construção de barragens e perímetros irrigados na Bacia do Rio de Contas. Acredita-se que tais ações podem ter gerado impactos na estrutura produtiva da região, tornando-a mais dinâmica e competitiva, com repercussão na melhoria das condições de vida da população.
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas é um órgão do governo federal que desenvolve projetos de infraestrutura voltados para minimizar as principais consequências sociais e econômicas das secas prolongadas que atingem o semiárido, de modo a reduzir o êxodo rural e fixar o homem no campo, oferecendo-lhe os meios necessários para garantir sua sobrevivência (TEIXEIRA, 2005). Ao voltar-se para a realização de obras relacionadas ao aumento do potencial de uso dos recursos hídricos e para a construção de perímetros irrigados, o DNOCS atuou em diversas regiões do Nordeste brasileiro com ações que contribuíram para o avanço de áreas pouco dinâmicas e naturalmente limitadas de alternativas de desenvolvimento econômico, castigadas pela seca e marcadas pela pobreza.
Uma das diversas ações do DNOCS no Nordeste, especificamente na Bahia, ocorreu justamente na região foco deste estudo. Tem-se como hipótese a ideia de que a atuação desse órgão gerou impactos significativos sob o aspecto econômico e social, os quais contribuíram para um maior desenvolvimento nessa região, proporcionando as condições que permitiram uma menor incidência de pobreza, especialmente nos municípios foco desta análise.
O DNOCS instalou-se na Bahia em 1953, com sede no município de Rio de Contas, local onde mais tarde seriam construídas duas barragens que atenderiam a um projeto de irrigação na região. Um ano após sua chegada, iniciaram-se estudos de aspectos físicos, socioeconômicos, financeiros e culturais da região.
É possível vislumbrar que a vinda do DNOCS para a Bahia tenha sido reflexo de dois fatores principais. O primeiro diz respeito à então potencialidade da região para a instalação de plantios irrigados, visto que esse tipo de atividade já era realizada, apesar de sua precária condição e elevado nível de desperdício. O segundo fator pode estar relacionado com a capacidade das articulações políticas de representantes da região, as quais teriam sido capazes de atrair investimentos do governo federal. Segundo Velloso (2000), a trajetória histórica de ações do DNOCS tem sido marcada pelas influências diretas dos interesses das elites econômicas e políticas nordestinas. Apesar de ser uma agência com ampla delimitação geográfica de atuação, por se tratar de uma representação do governo federal, as ações do DNOCS sempre se concentraram em algumas regiões específicas do semiárido nordestino, em específico no polígono das secas. Ainda segundo Velloso, “[…] a presença das ‘elites’ econômicas e políticas firmemente assentadas sobre a topografia social da região moldou decisivamente a trajetória histórica do DNOCS” (VELLOSO, 2000, p. 6). Nesse sentido, o órgão atuou como um mediador entre os interesses dessa elite do Nordeste e o governo federal, de modo que os grandes projetos implementados transpareciam a combinação entre o viés técnico das justificativas e do planejamento das ações e as influências das intervenções dos grupos políticos regionais, principalmente sob o aspecto do direcionamento dos benefícios das ações e a sua apropriação privada. É provável que a concretização dos investimentos do DNOCS na Mancha Sudoeste seja também resultado dessa dinâmica. Lideranças políticas e a elite regional podem ter composto um grupo de influência capaz de interferir no direcionamento da atuação do órgão na Bahia. Sendo assim, algumas questões podem ser levantadas a esse respeito:
- Seria correto afirmar que as lideranças (ver Painel Lideranças) da região podem ter contribuído para a atração dos investimentos em infraestrutura hídrica do DNOCS dentro da Mancha Sudoeste? Diante da constatação da importância das lideranças políticas regionais no processo de desenvolvimento social e econômico na área de estudo, questiona-se as possibilidades de essa mesma liderança ter sido influente na atração de investimentos.
Antes mesmo da chegada dos investimentos do DNOCS, construindo barragens e perímetros irrigados, já eram comuns os plantios irrigados ao longo da Bacia do Rio de Contas. Estudos do órgão sobre essa região, em 1968, já identificavam e mapeavam a existência de quatro plantios irrigados: Livramento de Brumado-Dom Basílio, Piatã-Jussiape, Ituaçu-Tanhaçu e Contendas do Sincorá.
Plantios irrigados na Bacia do Rio de Contas em 1968
Fonte: DNOCS, 1968
O perímetro irrigado de Livramento do Brumado-Dom Basílio apresentava maior capacidade de irrigação dentre todos dessa bacia, com um alcance de 3.400 hectares. Segundo o DNOCS (1968), existem registros de plantios autônomos irrigados nessas localidades desde 1930. Além disso, antes da atuação do DNOCS, parcela do plantio irrigado nesse local era abastecida pelo fornecimento de água da Águas de Livramento S.A., criada em 1945. Tal empresa permitia o acesso ao canal principal de irrigação durante um período pré-definido, mediante pagamento em valor monetário ou mesmo em parcelas da produção agrícola. Entretanto, no final dos anos 1960, essa empresa apresentava dificuldades financeiras que acarretariam na sua extinção anos mais tarde. Os plantios dessa área se realizavam especificamente no entorno dos rios Taquari, Brumado e Quati.
Os plantios de Piatã-Jussiape e Ituaçu–Tanhaçu apresentavam características gerais semelhantes aos de Livramento do Brumado, porém tinham menos capacidade de irrigação. O primeiro alcançava 1.750 ha, enquanto que o segundo tinha 1.650 ha. O plantio de Contendas do Sincorá era o que mais se diferenciava, pois seu sistema não era apoiado por canais ou barragens. No seu caso, os agricultores aproveitavam os meses de vazante para realizar cultivos no leito do rio, de modo que as únicas áreas irrigadas lá existentes eram intermitentes.
Dentre as principais características desses plantios irrigados tradicionais estavam o predomínio de pequenas propriedades familiares, o baixo nível de tecnologia aplicada, o uso não racional da água e a baixa produtividade das plantações. Além disso, apesar da forte presença do pequeno produtor, grande parte das propriedades de maior extensão estava localizada nas áreas irrigadas da região. O trabalho formal na agricultura era pouco representativo, e o pagamento por diária era uma das formas mais comuns de contratação de mão de obra naquele momento.
Além disso, era possível também identificar a realização de parcerias para o cultivo agrícola entre proprietários de terra e trabalhadores rurais, sendo que os primeiros forneciam terra, água e assumiam as despesas referentes ao plantio, enquanto que os segundos eram responsáveis por operacionalizar a plantação e a colheita. Os produtos resultantes dessa parceria geralmente eram repartidos igualmente entre os parceiros. Havia outras formas de parceria na região, mas a característica comum entre todas é que consistiam em contratações arcaicas, as quais ainda não tinham alcançado as características típicas de um arrendamento capitalista. Para o DNOCS (1968), isso era resultado dos baixos níveis de capitalização dos produtores da época, mesmo aqueles que eram donos de grandes propriedades.
De um modo geral, a principal cultura produzida nas áreas irrigadas era o arroz, que ocupava 80% dos plantios. Além disso, havia o cultivo de cebola, alho e cana-de-açúcar. A maior parte do cultivo de arroz ali desenvolvido esteve concentrada no plantio irrigado de Livramento do Brumado-Dom Basílio, sendo responsável por 50% da produção da época. O maior porte desse plantio em termos de capacidade de irrigação e a maior concentração da agricultura fizeram com que essa área fosse escolhida para receber os investimentos de infraestrutura do DNOCS, aproveitando as condições já desenvolvidas da prática do cultivo irrigado e o potencial hídrico da região.
A primeira ação realizada pelo DNOCS na região de estudo consistiu na construção de uma barragem de acumulação no município de Rio de Contas, sobre o Rio Brumado, pertencente ao sistema hidrográfico de Rio de Contas, cuja bacia abrange uma área de 256 km². A Barragem Luiz Vieira, assim denominada, tinha o objetivo garantir o abastecimento das áreas irrigadas próximas já existentes.
A construção iniciou-se em 1967, com os trabalhos de escavação da fundação. Entretanto, a descoberta de uma falha proveniente de antigas movimentações tectônicas implicou uma interrupção do projeto, o qual só veio a ser retomado dez anos mais tarde, sendo concluído em 1983. Além disso, foi finalizada, em 1987, uma barragem de derivação, que tinha como objetivo encaminhar a água acumulada para o projeto de irrigação em elaboração para as áreas de plantio em Livramento do Brumado. Essa barragem está situada nesse mesmo município, à jusante do salto do Rio Brumado (SAMPAIO, 2013).
A instalação desse projeto de irrigação se iniciou em 1977, e os seus serviços de operação, administração e manutenção foram implementados em 1986. A princípio, tal projeto contemplava apenas áreas pertencentes ao município de Livramento do Brumado, estendendo-se mais tarde para Dom Basílio. Atualmente, o perímetro irrigado atende a uma área de 10.000 ha, sendo 7.000 ha em Livramento e 3.000 em Dom Basílio.
Um ponto importante a ser destacado é que o projeto de irrigação implicou um processo prévio de desapropriação de terras para a sua implantação. Nesse sentido, diversos lotes foram desapropriados e mais tarde redistribuídos, após a finalização da construção. A redistribuição inicial dessas terras entre os produtores rurais da região teve como característica a priorização do pequeno produtor (unidades familiares), que recebeu um lote de 5,27 ha de área. Segundo o projeto, 316 unidades familiares foram beneficiadas. Além deles, técnicos agrícolas, engenheiros e microempresários também foram contemplados pelo projeto, com lotes de terras com maior extensão (SAMPAIO, 2013). É preciso, entretanto, enfatizar que, após os primeiros anos, muitos agricultores familiares venderam seus lotes para empresários locais por não terem conseguido manter as atividades de lavoura, os quais, inclusive, foram transformados em áreas específicas de agronegócio para a produção de manga (DOURADO; MESQUITA, 2010).
A implantação do perímetro irrigado em Livramento do Brumado possibilitou mudanças significativas para parte dessa região, principalmente no aspecto econômico. De modo geral, tornou-se nítida a perda gradativa de participação das atividades de lavoura temporária e dos cultivos de subsistência, com um ganho de importância de atividades específicas permanentes, como a fruticultura, com alta integração com o mercado internacional.
A implantação do perímetro irrigado nessa área reestruturou as técnicas de produção e possibilitou a introdução de novas tecnologias aplicadas ao plantio. Os principais reflexos dessas transformações sobre o cultivo da região foram a racionalização do uso da água, o aumento da produtividade dos plantios e a melhora na qualidade dos produtos agrícolas. Esses fatores foram fundamentais para gerar um aumento da competitividade da produção na região. Além disso, as iniciativas de capacitação dos agricultores do perímetro proporcionaram um melhor aproveitamento da infraestrutura de irrigação, com exploração das possibilidades econômicas que esse sistema poderia oferecer.
Mas é importante destacar que essa modernização da agricultura não implicou uma eliminação incisiva das atividades de trabalho familiar (SAMPAIO, 2013). A mudança de padrão produtivo especializado na fruticultura modernizada, ainda que exigente em investimentos em tecnologia, não se tornou um grande impeditivo para a inclusão dos agricultores familiares. Nesse sentido, a inserção do pequeno produtor nessa atividade foi fundamental para garantir a sua permanência nessas áreas. Apesar de estar baseada na grande propriedade, a agricultura familiar se integrou paralelamente às atividades agropecuárias da região de maior porte. Segundo Sampaio (2013), a produção básica nas áreas pertencentes ao perímetro irrigado é composta basicamente pela agricultura familiar, que corresponde a 81% dos agricultores. Apesar de haver propriedades maiores dentro do perímetro, o que predomina é a atividade da agricultura familiar.
Diante de tais aspectos, acredita-se que os efeitos das ações do DNOCS nessas áreas podem ter beneficiado parte dos pequenos produtores. Ainda que esses benefícios também tenham sido canalizados para atender aos interesses de grandes produtores, seus impactos tiveram a capacidade de alcançar parte dos interesses dos agricultores de pequeno porte, que anteriormente praticavam a agricultura de subsistência. Isso pode ter contribuído para uma melhora nas condições de vida da população da região, não somente de Livramento do Brumado, mas também dos seus vizinhos, através dos possíveis efeitos multiplicadores da economia, levando ao fortalecimento de atividades de outros setores, como comércio e serviços, principalmente em Dom Basílio, onde houve um prolongamento do plantio irrigado de Livramento do Brumado, além de Rio de Contas.
A sistematização de um conjunto de indicadores, grande parte elaborados com base nos censos agropecuário (2006) e demográfico (2010), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem como objetivo principal, buscar indícios que apontem para características diferenciadas no conjunto de municípios da Mancha Sudoeste, assim como e, principalmente, nos cinco municípios que apresentaram diferenciação no estudo realizado pela SEI “Pobreza na Bahia em 2010: Dimensões, Territórios e Dinâmicas Regionais”. Vale ressaltar, que no citado estudo os municípios, em função do método utilizado, que considera a pobreza um fenômeno multidimensional, se enquadraram em cinco grupos, denominados como grupos de pobreza que foram classificados de A a E, sendo o grupo A aquele em que foram observadas condições de pobreza relativamente menos intensas.
Enfatiza-se que os municípios que compõem o grupo A são, em geral, aqueles que apresentam as maiores magnitudes econômicas, mais dinâmicos ou mesmo aqueles com grandes populações ou que exercem o papel de sedes regionais. Embora o grupo A seja composto por 46 municípios com as já citadas características, alguns dos municípios do grupo fugiram à regra por não apresentarem o referido perfil, entretanto, apresentaram pré-requisitos que os colocaram no referido grupo. Tal fato enseja a possível existência de uma dinâmica diferenciada e processos econômicos e sociais, provavelmente de caráter regional, que engendraram um certo “padrão de desenvolvimento” que possibilitou uma menor incidência relativa de pobreza.
Na realização deste estudo buscou-se, por meio de dados empíricos resultantes de levantamentos estatísticos, ou mesmo com base em registros administrativos, identificar possíveis destaques nos principais indicadores que reforçassem os aportes teóricos sobre o processo de desenvolvimento da região. Para tal fim optou-se, na maioria dos casos, por realizar recortes analíticos que contemplassem o posicionamento dos indicadores dos cinco municípios frente os municípios da Mancha Sudoeste , e dos municípios da Mancha Sudoeste, assim como os cinco municípios, frente o total de municípios do estado menos os 46 municípios do grupo A.
Dessa maneira, sem prejuízo da existência de outros indicadores diretos ou indiretos, os levantamentos de 2006 e 2010 foram utilizados por apresentarem certo alinhamento temporal com o estudo anteriormente realizado e que teve o ano 2010 como referência para o seu conjunto de indicadores.
Com base na leitura dos indicadores estruturados chegou-se a determinados indícios empíricos que apontam para diferenciações tanto dos municípios da Mancha Sudoeste, em seu conjunto, quanto no conjunto dos cinco municípios. Tais indícios estatísticos permitem diversas interpretações, entretanto, com base nos levantamentos bibliográficos, que remontam aos processos histórico e cultural de desenvolvimento da região, torna-se possível a realização de inferências que se atrelam a fatos, processos e investimentos que possivelmente tiveram rebatimentos na Mancha Sudoeste e que podem ter sido melhor internalizados pelos cinco municípios ora estudados.
A bibliografia analisada revela que desde 1930 já existiam antigas áreas de Plantios irrigados na Bacia do Rio de Contas, isso evidencia, historicamente, que tal técnica já era implementada em vários cultivos da área em estudo. Agregaram-se à prática já utilizada e ampliaram o uso da água, os primeiros investimentos de grande porte alocados na irrigação que geraram impactos diretos na atividade agrícola. Os citados investimentos foram realizados pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), que se instalou na Bahia em 1953 e alterou a fisionomia da região. Eles assumiram grande importância para as práticas agrícolas das comunidades, sobretudo porque as obras implantadas dirigiram-se ao atendimento de áreas ocupadas por agricultores familiares que lidavam, principalmente, com as lavouras de subsistência. A ação do DNOCS avançou, posteriormente, para áreas que se dedicaram à fruticultura, alterando o mix produtivo, incorporando conhecimentos técnicos e aumentando substantivamente a escala de produção.
O estado da Bahia tem dois terços do seu território inserido no semiárido e apresenta, na sua região oeste, vastas áreas de cerrado dedicadas, principalmente, ao plantio de soja e algodão. São também relevantes as áreas situadas na região do Alto São Francisco nas quais o plantio de frutíferas assume grande importância para a economia baiana. Em todas as citadas áreas a irrigação é fundamental para os ganhos de produtividade e estabilidade produtiva, especialmente durante os longos períodos de estiagem.
Nesse sentido, observando-se a magnitude da irrigação no estado, com base no Censo Agropecuário de 2006, apenas os 15 principais e mais extensos municípios da Bahia com irrigação, a maioria situada na Região Oeste e alguns no Vale do São Francisco, respondem por quase 50% das áreas irrigadas do estado. Entretanto, em relação às áreas destinadas às lavouras , no mesmo recorte analítico, a irrigação dos citados municípios atinge apenas 6,6% da área total ocupada com lavouras, revelando uma grande concentração espacial.
Essa análise sobre as principais áreas com irrigação no estado reforça a importância que assumem os demais investimentos realizados em outras áreas produtivas, no sentido de amenizar os problemas que ocorrem pela existência de maior escassez hídrica.
Corroborando com tal afirmativa, os resultados censitários mostram que os municípios da Mancha Sudoeste respondem por 15,4% das áreas irrigadas do estado, o que é bastante relevante tendo em vista a menor extensão territorial. Quando comparadas as áreas irrigadas em relação às áreas destinadas às lavouras dos seus municípios, elas correspondem a 8,0%.
Focalizando a análise nos cinco municípios da Mancha Sudoeste, observou-se que eles respondem por 2,3% da irrigação do estado, entretanto, em relação às suas áreas de lavouras a irrigação desse pequeno grupo de municípios se faz presente em 12,7% das áreas dedicadas às lavouras, sendo, portanto, mais abrangente no que concerne a referida atividade econômica, em relação às quais se infere haver uma possível melhoria nos rendimentos familiares.
Dentro da própria Mancha Sudoeste a irrigação nos cinco municípios assume expressão diferenciada ao representar 14,9% da irrigação do conjunto de municípios da Mancha Sudoeste que congrega 41 municípios.
Em relação à distribuição espacial da irrigação, diferentemente dos municípios localizados na região Oeste, assim como no município de Juazeiro, no qual se encontram grandes plantios de frutíferas distribuídos em grandes áreas, os municípios da Mancha Sudoeste, em especial os cinco municípios, apresentam a maior frequência de áreas irrigadas em estratos de áreas de até 10 ha. Essa distribuição evidencia uma maior difusão em um maior número de propriedades e, pelo tamanho das áreas, a sua utilização em pequenas glebas as quais são compatíveis com as áreas e os parâmetros da agricultura familiar . A tabela a seguir apresenta a distribuição das áreas irrigadas municípios onde as mesmas assumem maiores proporções, assim como nos cinco municípios, objeto deste estudo.
O perfil produtivo e a evolução atual da produção parecem evidenciar a importância, ao longo do tempo, da utilização de técnicas produtivas com potencial de ampliar, assim como manter mais estáveis os níveis de produção, tanto da lavoura permanente quanto da lavoura temporária.
Apenas a título de exemplo, tomou-se como referência os Valores de Produção (VP) dos cinco principais produtos da lavoura permanente da Mancha Sudoeste. Eles apresentaram uma posição relativa que se manifestou evolutivamente quando comparados com o VP total das culturas permanentes. Ressalte-se que a representatividade dos valores obtidos com a produção de frutas assumiu a liderança na escala de valores, sendo, portanto, destacados na figura a seguir.
Quando cotejados os Valores de Produção dos produtos da fruticultura da lavoura permanente com iguais produtos no total do estado pode-se aquilatar a importância relativa de cada produto, de per si, em relação ao à sua representatividade na produção estadual. Dessa maneira tem-se uma medida mais aproximada da representatividade das citadas culturas, dado que pode ocorrer que em apenas determinados municípios existam tais produções. A figura a seguir revela, ao longo do tempo, a participação relativa de cada produto, evidenciando as suas evoluções. Nela é possível verificar que a produção de manga chega a representar, em 2010, cerca de 60% da produção do referido produto no estado.
Exibindo uma característica muito específica, os municípios da Mancha Sudoeste produzem, embora resultando em volumes diferenciados, uma cesta de produtos muito similar. Dentre os produtos produzidos nos municípios da Mancha Sudoeste, em termos de valor, a produção de manga se apresenta como a mais importante, sendo seguida pelas produções de mandioca e cana-de-açúcar. Já entre os cinco municípios, há uma mudança de posicionamento. Neles a cana-de-açúcar assume a liderança, sendo seguida pelas produções de manga e mandioca.
Em todos os casos, tanto na Mancha Sudoeste quanto nos cinco municípios é possível perceber a presença das frutíferas como produto de grande importância, o que reforça a ideia de que a irrigação assumiu um papel relevante nos processos produtivos e na diversificação da produção dos municípios da área em estudo, propiciando grande representatividade no conjunto de produtos da lavoura, como pode ser visualizado na tabela a seguir.
Considerando os perfis das áreas, já explicitados, têm-se a expectativa de que os rendimentos médios dos ocupados, com dez anos ou mais, na Mancha Sudoeste, poderiam ser superiores aos valores obtidos, quando comparados com outras áreas do estado, e que nos cinco municípios os valores superassem os da Mancha Sudoeste. Nesse sentido, lançou-se mão dos dados divulgados pelo censo demográfico de 2010, com os quais pode-se constatar a seguinte situação: nos cinco municípios o rendimento médio dos ocupados com dez anos e mais era um pouco maior (R$341,00) do que o valor médio verificado para os demais municípios da Mancha Sudoeste (324,00). Vale ressaltar que a média do estado, deduzida do grupo A era de R$293,10. Vê-se, portanto, que embora sejam valores abaixo do salário mínimo do mesmo ano (R$510,00), os cinco municípios se diferenciam ao superar os valores da Mancha Sudoeste, assim como os municípios da Mancha Sudoeste superarem os valores do estado, deduzidos dos municípios do grupo A.
Outro indicador que se associa à ideia de uma melhor distribuição de renda na região está centrado nas proporções dos recursos distribuídos a título de Bolsa Família no conjunto de municípios estudados.
Como a distribuição dos valores levam em consideração parâmetros relativos ao rendimento médio das famílias e que as suas proporções se reduzem quanto maiores forem os rendimentos, tem-se a seguinte situação: A proporção da população que recebia Bolsa Família, em 2010, nos cinco municípios era um percentual de 49,5%, inferior ao da Mancha Sudoeste (53,3%), enquanto no estado, menos o grupo A, o percentual atingia 58%. Com este resultado pode-se inferir que, em seu conjunto, nos cinco municípios as famílias pobres estão em condições menos desfavoráveis, quanto aos rendimentos, em relação aos percentuais médios do universo ora estudado.
Ainda em relação aos rendimentos, pode-se associar o indicador do consumo médio de energia elétrica residencial como um parâmetro que leva em consideração, dentre outros fatores, a presença dos eletrodomésticos e a quantidade de cômodos do domicílio. Em 2010 o consumo médio de energia elétrica residencial é de 901,3 kwh nos cinco municípios, 858,6 kwh na Mancha Sudoeste, contra e 853,2 kwh no estado menos o grupo A. Mais uma vez os números apontam para uma situação mais favorável aos cinco municípios, dado que os resultados se alinham com a hipótese de que os rendimentos podem ter sido influenciados pelas características do espaço territorial e os processos de produção nele desenvolvidos.
A distribuição setorial da ocupação nos cinco municípios revela uma maior concentração da mão de obra na agropecuária, sobretudo nos municípios com perfis mais agrícola, a exemplo de Abaíra, Jussiape e Rio de Contas. O município de Caculé concentra a maior parte das ocupações no setor de serviços, enquanto o município de Ibiassucê, onde existem empreendimentos que se dedicam à transformação de produtos minerais não metálicos os percentuais da ocupação ficam mais distribuídos entre os setores.
A distribuição setorial da ocupação, assim como o rendimento médio da população ocupada com 15 anos ou mais pode ser visualizada na tabela a seguir. Ela mostra percentuais concentrados nas atividades agropecuárias e de serviços. No caso da agropecuária o perfil produtivo dos municípios baianos se assenta, em grande medida, nessa atividade e, em relação aos serviços, a presença do turismo e das atividades governamentais, especialmente pelas ocupações nas prefeituras, se encarregam de definir tal distribuição da ocupação.
Uma leitura dos resultados do censo demográfico de 2010 nos permite observar que a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais era de 20,9% nos cinco municípios, enquanto no conjunto de municípios da Mancha Sudoeste atingia 23,6% e no estado, menos o grupo A o percentual de analfabetos atinge 24,6%. Nesse sentido, os levantamentos bibliográficos dão conta de processos ocorridos na região que pode haver interferido para que os resultados, embora com percentuais ainda lamentavelmente elevados e preocupantes, tenham minimizado os problemas nos níveis de estudo, nos cinco municípios e na Mancha Sudoeste, para que resultados ainda mais elevados não fossem aferidos.
Cabe lembrar que o termo agricultura familiar aqui utilizado refere-se àquele definido pela Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabeleceu critérios para a sua definição e permitindo sua inserção nas estatísticas oficiais. O Censo Agropecuário 2006 segue, assim, os princípios desta lei, assim como da metodologia desenvolvida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCra e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO) no Projeto de Cooperação Técnica INCra/FAO, entre 1996 e 1999. (ANTUNES, 2011).
Corroborando com a definição usada, os resultados mostram que o percentual de estabelecimentos com agricultura familiar era, em 2006, de 88,7% nos cinco municípios e 87,3% na Mancha Sudoeste. Os dois percentuais superam aquele referente ao estado menos os municípios do grupo A em que os estabelecimentos da agricultura familiar representam 80,7%. Essa grande proporção induz à necessidade de utilização dos indicadores disponíveis sobre tal atividade, dado que, grande parte das atividades agrícolas nessa região ocorre no âmbito da agricultura familiar. Essa característica está em consonância com outros indicadores dos cinco municípios que apontam, principalmente, para a grande presença de pequenas glebas administradas por famílias, o que revela uma maior distribuição do espaço agrícola entre a população residente.
No que tange ao tamanho médio das propriedades dedicadas à agricultura familiar, nos cinco municípios o tamanho médio era de 17,7 ha enquanto os municípios da Mancha Sudoeste apresentavam áreas com 19,3 ha em média. Vale ressaltar que os dois valores são bem menores do que a média observada para o estado, menos o grupo A, em que o tamanho médio se situa em 20,1 ha.
Outro aspecto a ser considerado em relação à agricultura familiar é o seu grau de integração ao mercado. Segundo a metodologia utilizada no censo agropecuário de 2006, os estabelecimentos que vendem menos de 50% do que produzem são definidos como pouco integrados ao mercado. Os integrados são aqueles que conseguem vender entre 50% a menos de 90% da produção total. Os demais estabelecimentos, dentre eles aqueles que vendem 90% ou mais do que produzem, são considerados como muito integrados ao mercado. Considerando esse conceito, com base nos resultados do censo agropecuário, pode-se identificar o grau de integração dos estabelecimentos ao mercado. Com efeito, os 16,2% dos estabelecimentos nos cinco municípios eram considerados integrados ao mercado. O percentual na Mancha Sudoeste atingia 14,2%, enquanto no total do estado menos os municípios do grupo A o percentual era de 22,4%, resultado bastante normal dada a especialização de determinados municípios com algumas monoculturas que são integralmente vendidas no mercado.
Em 2006 o percentual de analfabetos dirigindo a agricultura familiar nos cinco municípios da mancha foi de 38,7%, enquanto nos demais municípios da Mancha Sudoeste o percentual atingiu 44,0%. Embora seja um percentual muito alto ele mostra uma diferenciação entre os cinco municípios, permitindo inferir que, embora ainda com percentuais inaceitáveis, a educação dos trabalhadores do campo, nesse espaço territorial, foi um pouco melhor em seu conjunto, mesmo quando cotejado com o resultado obtido pelo estado, menos os municípios do grupo A (40,6%).
É importante enfatizar que a presença desses aspectos econômicos, apesar de suas grandes contribuições para compreender a trajetória de desenvolvimento da região e, ao mesmo tempo, identificar as principais diferenciações em termos de indicadores, não são suficientes para explicar todos os processos ocorridos nessa região que justifiquem a sua diferenciação dentro do estado, do ponto de vista da pobreza.
Nesse sentido, outros aspectos identificados foram relevantes, como a educação, a cultura e a religião. São esses elementos institucionais que incrementam o entendimento da pesquisa a fim de enriquecer a análise. Os aspectos econômicos são insuficientes porque parte deles também aconteceu em outros locais da Bahia, de modo que suas repercussões assumem similaridades ou padrão para todos os locais onde ocorre. Essa visão também é compartilhada pelos professores Hamilton Ferreira (UFBA) e Jorge Antônio (UFRB) durante a realização das rodadas de discussão sobre o Painel Economia do estudo.
Para o professor Hamilton Ferreira (UFBA), não é a economia exclusivamente que está explicando esse fenômeno. “E a razão é a seguinte: o que está apresentado aqui são fenômenos de planejamento de órgãos estruturais (rede ferroviária, DNOCS). São ações que ocorreram em outros lugares e não somente dentro da Mancha Sudoeste… o mesmo bem público da mesma natureza gerou a mesma externalidade nos diversos lugares em que foi implantado.”(FERREIRA, 2018). Segundo o mesmo, é possível que tenha ocorrido uma combinação entre fenômenos de planejamento macro e a dinâmica local específica, a qual está fortemente atrelada a elementos institucionais formais e informais, como a religião, educação, hábitos e costumes locais. Tal combinação seria a possível causa explicativa para a especificidade do fenômeno da pobreza nos cinco municípios e na Mancha Sudoeste de uma maneira geral. (veja o vídeo)
Para o professor Jorge Antônio (UFRB), essa premissa também parece ser válida. Segundo ele, a Mancha Sudoeste pode ser vista como um território que reflete um processo de povoamento, formando um tecido social onde abriga relações econômicas, culturais e religiosas. Nesse sentido, não seria pertinente considerar unicamente uma análise econômica do fenômeno. (veja o vídeo)
BRASIL. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Bacia do Rio de Contas – Estudo de viabilidade: aspectos socioeconômicos e financeiros, 1968.
BRASIL. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Estudo de viabilidade técnico-econômica de aproveitamento hidroagrícola e hidroenergético da bacia do Rio de Contas, 1968.
BRASIL. Ministério dos Transportes. Plano de Viação: Evolução Histórica (1808 – 1973). Brasília, 1974.